quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Que nenhum de nós desista e deixe ir um touro vivo para dentro!


Homenagem à Senhora Marquesa da Graciosa ( querida avó Zézinha)


Corrida de touros 13 de Agosto de 2011 em Idanha-a-Nova




Quis Deus que eu tivesse a sorte que esta Grande Senhora fosse minha avó e não contente com essa sorte, Deus deu-me ainda o privilégio de a ter como mãe. Hoje, agradeço-lhe esta dádiva de ser sua neta e sua filha, de através da avó ter aprendido e enriquecido tanto e constatado que realmente " Deus é grande e não dorme". Não fui a única a ter esta sorte , este privilégio e a dar graças por esta dádiva. Muitos foram aqueles de quem a avó foi mãe mesmo sem o ser!
Começou por o ser em Idanha-a-Nova, onde com o avô construio a casa dos seus olhos, o cantinho dos dois. Onde cresceram os tios e, mais que os tios, onde surgiu uma pequena aldeia. Entre os caseiros e os seus filhos, ciganos e burros, missas aos domingos na Capela, aulas, brincadeiras e garraiadas no tentadero...o Valongo era uma aldeia que não parava, era uma vida que dava vidas. Os avós criaram muitos e muitos foram os que saciavam a sua fome no Valongo, muitos seguiram as suas vidas devido aos empurrões e ajudas dos avós e se estes o fizeram, foi sempre pelo amor ao próximo, pelo enorme e bonito amor que tinham para dar os dois juntos. Viviam e vivem no amor e pelo amor e assim vale a pena viver, assim é fácil fazer de uma casa uma escola e de uma quinta uma aldeia.
A primeira lembrança que tenho de touradas, ainda era pequenina. A meio da noite fui com os meus pais e irmã colar cartazes de uma tourada pelas paredes das ruas de Idanha-a-Nova. Naquela noite fomos todos ajudar à Festa Brava e se o fizemos foi porque havia um enorme gosto e prazer pela tradição. A festa tem isto de bonito, juntar e unir as pessoas, dar momentos de alegria e emoção que marcam, que ficam, duram e passam de geração em geração.
A partir daqui as minhas lembranças já metem a avó Zé. A minha vaga ideia do que pode ser tourear ou pegar bem, já tem muito de avó Zé e avô Fernando. Muitas foram as vezes em que a avó foi com o avô Fernando e os amigos, ver o Juli tourear, no Café Central, na Golegã. Admirava-a não só pelo companheirismo que tinha com o avô em tudo o que faziam, em em especial por isto, por ver que assistia às corridas entre amigos homens, também como uma aficionada, mas sempre como e uma Senhora. Porque gostava, porque lhe dava prazer ver, aprender, criticar. Vivia e vibrava com a Festa de uma maneira divertida e digna de uma Senhora, de uma mãe.
Recebia os forcados e amigos de forcados e onde cabiam vinte, cabiam trinta. Era uma aficionada muito exigente, crítica e tradicional. Não gostava dos violinos e o tricórnio deveria ser mantido toda a lide, só os que realmente sabiam montar o conseguiam fazer e faziam. Montar bem era essencial, mas não era para todos, porque exigia muito, a valentia era necessária mas nem sempre existia. Os touros, cada vez maiores e cada vez com menos genica. Se os cavaleiros não davam festas aos cavalos a avó reclamava, se lhes davam demasiado com as esporas também resmungava, gamarras?! É melhor nem me estender mais...
Era uma mãe orgulhosa, não o transmitia fugazmente, mas as fotografias espalhadas pela casa em molduras ou coladas nos biombos falam por si. Com o avô deu muito à Festa Brava, dos dez filhos que tiveram, todos contribuiram directa e indirectamente para que este grande ambiente fosse ainda maior. Uns a pegar, o meu pai que começou pelo Grupo de Forcados do Ribatejo e acabou no grupo de Forcados Amadores de Santarém, onde também estiveram os tos Fernando, Domingos e Pedro, tendo o tio Pedro sido cabo destes entre 2002 e 2008. O tio Domingos, por brincadeira, gosto e diversão, ainda toureou algumas vezes e desse prazer ainda preparou e ensinou bons cavalos a tourear. Quem não se lembra do "Importante", cavalo montado pelo toureiro Rui Salvador, ensinado por Domingos Graciosa e que tantas boas lides nos proporcionou? Eu bem me lembro dos telefonemas orgulhosos que a avó Zé fazia a gabar-se deste e outros cavalos que iam sendo vendidos a toureiros. O grande "Gazi" cavalo ensinado pelo tio Filipe que toureou com o Álvaro Domecq e depois ficou na Escola de Jerez! O tio Manuel não pegava, não toureava, mas animava! Festa sem animação não é festa. Ainda tentou ao de leve, assisti eu em pequena uma vez, vestir-se de bandarilheiro, mas não passou de fazer as cortesias e passar um quarto da praça a correr! Só isso chegou para que fosse aplaudido e gerasse ali animação!
Os outros filhos não foram forcados, não foram toureiros nem toureiras, mas encheram as praças e arenas com os seus filhos, uns nas bancadas, outros nas arenas: José Maria ( Grupo de Forcados de Santarém), Henrique e Rodrigo ( Grupo de Forcados de Montemor-o-Novo), Pedro ( Grupo das Caldas da Rainha), Luís e João (Grupo de Forcados da Moita). O João Filipe, que através do site que criou, cavalonet.com, espalha por todo o mundo os cavalos, as touradas, a tradição.
Esta Grande Senhora merece como homenagem, não um minuto de silêncio mas valentes aplausos! Valentes aplausos tal como a avó era...valente! Valentes aplausos cheios de garra, cheios de sorrisos, cheios de expectativas, corações a baterem mais forte e depressa, porque afinal foi isso que sentiu durante anos! Um forte e sentido aplauso por tudo o que foi e trouxe para a Festa Brava e que através dos filhos, netos e amigos continua a ser, a dar e a estar presente no meio de nós, no meio desta Festa.
Um forte e sentido aplauso pela Grande Mulher, pela Grande Mãe, pela Grande Avó, pela Senhora que foi! Que o continue a ser todos os dias para nós e que cada vez que um Raposinho Graciosa esteja em praça se veja a avó, se veja tudo o que ela foi e aguentou pelos que mais adorava. Que saibamos dar valor a todas as mães que, tal como ela, dão tanto de si a esta Festa, nas bancadas, em casa e hoje em especial em Idanha-a-Nova, terra onde com o avô Fernando foi tão Feliz. Terra onde em tempos, esta grande senhora fez com que na altura o mais solicitado matador de touros do mundo, Manuel dos Santos, fosse tourear para beneficiência da Santa Casa da Misericórdia e como este, muitos mais. Hoje a homenagem é a esta mãe tão querida que deixa muitas saudades, mas que há-de estar a olhar por todos nós, há-de estar ao lado do Luís e do Pedro cada vez que saltarem para a arena, da Sofia quando entrar vistosa e bonita numa praça, a dar o ar da sua graça e brilho à bancada, e de todos nós, que por uma razão ou outra continuamos a ir às praças.
 A vida foi muitas vezes dura com a avó, muitas vezes a pôs à prova e que valentes pegas a avó fez! Com o avô Fernando sempre Nas ajudas e a enorme Fé que têm, superou todas as pegas umas melhores que as outras, duas pelo menos em que os touros eram fortes, valentes e bravos, pegas que nenhuma mãe teria que ter pela frente, mas superou-as! Ficou com cicatrizes, com marcas que a tornaram mais dura, mais rija, mais pão-pão, queijo-queijo...e vamos para o que interessa que na vida não há tempo para lamentações.
A avó agia, fazia e acontecia, não esperava que algué, fizesse por ela. E foi essa rigidez que passou a todos os que mais adorava, para que, se um dia a vida nos puser à prova, se a vida nos colocar um touro na frente, o saibamos pegar e enfrentar de caras, saibamos lidar com o medo de entrar numa praça, de saltar para a arena ou ver um dos nossos a fazê-lo, saibamos lidar com uma pega à primeira, mas também consigamos aprender se uma ajuda falha e a pega for à terceira ou à quarta. Saibamos perceber que o ferro não foi bem sucedido, que o touro não tem bravura e a lide é dificil e chata de se ver, mas que estejamos na arena!
Que nenhum de nós desista e deixe ir um touro vivo para dentro! Que a vida e os touros que nos vai pondo são para ser enfrentados de frente..
Os avós já nos deram as jaquetas, os cavalos, as bandarilhas e a praça, resta-nos que apareça um ou mais touros pelo caminho para sabermos como lidar com eles. Se somos dignos deste legado que nos transmitiram? Acredito que umas vezes sim outras vezes não, numas vamos fraquejar e querer saltar para dentro da trincheira, mas se a jaqueta é boa, os cavalos estão bem ensinados e a praça está cheia, nada como voltar a saltar para a arena e recomeçar com um "Touro, touro, touro! Anda cá touro Lindo!".
Errar, persistir ou fugir do erro é que nos torna como os animais e nos tira aquilo que nos diferencia deles, o sorriso. Foi isto que aprendi com a avó, a agarrar a vida e a viver a vida, não fugir dela e do que nos possa trazer.
A avó achava que "as homenagens são para palhaços, mas tem que haver palhaços para isso!". Hoje a homenagem é para si, minha querida mãe, e se não gosta delas, tenha esta como um MUITO OBRIGADO, um reconhecimentos de tudo o que tem sido para todos nós, para as pessoas de Idanha-a-Nova. Por representar os valores dignos que representa, por ter vivido a vida e não ter, simplemente, passado por cá. Obrigado pela vida e amor que deu aos outros e pelos outros. Obrigado por ter estado sempre ao lado do avô Fernando e se alguma vez o passou, se pôs um passo à sua frente, tenho a certeza que o fez para o proteger, para fazero que na sua perspectiva era melhor!
Obrigado querida avó, por numa das suas maiores e duras pegas, ter tido a coragem e valentia de, ainda assim, levar consigo duas bezerrinhas e ajudá-las a perceber que, tal como nas praças, para a nossa vida ser um espectáculo digno de grandes praças e grande nomes do mundo do toureiro, temos que a viver com respeito, valentia, garra, diversão e muita bravura, temos que a enfrentar com a dignidade que merece.
Para que no fim, seja ele qual for, consigamos rever a nossa vida e imaginar uma praça inteira a aplaudir-nos de pé e a atirar-nos flores, porque vivemos, enfrentámos e pegámos de caras os vários touros da vida!
Parabéns avó, por hoje ter aqui uma praça inteira a aplaudi-la, por termos todos no nosso coração uma marca sua e que a sua vida tenha sido um espectáculo cheio de emoções e sensações, que dignifica qualquer praça, desde a mais simples à mais memorável!
A praça tem saudades, mas está cheia e aplaude!


Ticas