quinta-feira, 12 de abril de 2012

Se estas ruas fossem minhas...


Ontem pela primeira vez fui a pé para casa...

Gosto de andar a pé, sempre gostei! Lembro-me de estar no meu quarto e quando o tempo não permitia que o fizesse pela quinta, ouvia as passadas do meu avô a percorrer o corredor de casa de um lado para o outro como forma de exercício! 
Gosto de andar a pé, observar e absorver aquilo que as ruas nos transmitem! Os cheiros, os sons, o rebuliço, o espanto e admiração de ver passar uma pessoa bonita, o consolo de ver dois velhinhos de mãos dadas e lentamente a caminhar!
Gosto de tentar perceber o que vai na alma de cada um! Deparar-me com centenas de vidas completamente diferentes e deliciar-me com a ideia de que o tempo é o mesmo mas diferente para todos! O nosso agora está a ser vivido por milhões de outras pessoas e das mais diversas maneiras!
Gosto de ver o rapaz que vai pendurado no eléctrico e a senhora que mais à frente grita porque ele lhe roubou a carteira!
Adoro ver os sorrisos e olhos apaixonados que nos transmitem as borboletas que levam na barriga de paixão e nervosismo!  Uns falam sozinhos entre trapos e sujidade, resultado da solidão e de tratarem a rua todos os dias, horas e minutos por tu!


Gosto de ver as pessoas que arriscam em passar  a passadeira com o sinal encarnado para os peões! Espreito curiosa a reacção de quem está no carro! Uns percebem, outros apitam e outros aceleram! Gosto de quem arrisca mas não gosto quando sou eu no carro e tenho pressa!

A vida tem sempre não dois lados mas vários lados! Em cada lado, várias variáveis e pressupostos! O que os meus olhos vêem não é o que a pessoa que está ao meu lado vê! O que os meus olhos vêem em conjunto com o que o meu coração lhes diz é diferente do que os olhos da miúda sentada no café vêem, porque somos diferentes, porque a nossa alma é diferente! 
É o que gosto de ver e sentir nas ruas, ter a possibilidade de me cruzar com tantas almas diferentes! 

Percorri a Almirante Reis... Ainda ia a meio e já estava farta, que avenida tão grande! Relembrou-me a sensação das peregrinações quando no caminho nos deparávamos com uma recta enorme e que o fim parecia nunca mais chegar...Desmoralizava as pernas e os pés já com borbulhas!

Esta avenida é o oposto da Avenida da Liberdade que tinha percorrido de manhã! A Almirante Reis tem tudo menos reis! As pessoas que lá se passeiam dão a ideia de que anseiam e procuram a liberdade! Talvez não a encontrem, talvez nem a tenham e consigam da melhor maneira, têm um olhar limitado e gasto!
Facilmente nos apercebemos que ali muito corpo já não tem essência, é apenas objecto! Objecto de uma suposta liberdade!Ali as rainhas ganham a sua liberdade com o corpo, os sem abrigo sentam-se e deixam-se cair num antigo Chafariz já sem água! Ali existe de tudo até o Look Obama! Cabeleireiro muito particular que me chamou atenção não pela publicidade mas pela música e ambiente que lá se vivia! Achei engraçado!
Mais à frente, pessoas cheias de liberdade enchem o Ramiro e acredito que aqueles camarões façam os sonhos dos residentes da rua dos reis! A mim abriram-me o apetite e a vontade de entrar!

Agarro melhor a minha carteira e continuo a andar, continuo a ver pessoas de todo o tipo, sobem, descem e atravessam aquela rua. Passo por uma senhora, parece ter os seus quarenta anos mas de certeza que muitos são falsos e excessivos! O peso da rua encarregou-se de lhe dar mais rugas e olheiras! Chora desalmada e compulsivamente! Perto dela sai outra senhora que passa por mim e também ela chora! Comovo-me!
 Ao chegar mais perto desta tristeza, com uma festinha no ombro, pergunto-lhe se se passa alguma coisa? O choro aumenta como uma torneira de água aberta para um banho de imersão! Diz-me que não foi nada! Decido continuar o meu caminho! Aquela grande avenida ainda me é muito estranha e eu para ela sOU apenas mais uma que por ali caminha...
Fico a pensar na razão daquele choro, deduzo que pelo aspecto que a rua lhe deu seria uma mulher da vida, continuo a pensar o que teria acontecido e enquando penso em tudo isto chego ao Martim Moniz! 

Mete um bocadinho de respeito! Segurei ainda melhor na carteira e atravessei o largo em direcção à rua da Madalena! Imagino as vezes que noutros países também eu sem saber e como turista fui parar a sítios como este, onde as carteiras se vão e não voltam! Fico com pena dos turistas que por ali passarem ou pernoitarem! Fico com pena de tanto que se podia ter, fazer e viver ali!

Ai se estas ruas fossem minhas...

Ansiava por chegar a casa e descansar as pernas, ver o azul do rio...entro na rua da Madalena, começo a ir por outras ruas até à Sé e as pernas ganham alento! :)

Aqui o caminhar já foi diferente :) ! Já começava a admirar as ruas, os prédios antigos, os restaurantes giros, as lojas diferentes! Os turistas a passearem e eu tão parecida com eles! As escadinhas e largos! O sentir que já não estou numa grande avenida começo a entrar nas ruas do meu bairro! Vasos com flores nas janelas, cantinhos e recantos amorosos! Pedras com história e em muitas a história das pedras!
Apanho uma centena de caloiros que com os seus morcegos vão na mesma direcção que eu, a Sé! 

Passo a Sé e entro na última rua que vai dar à nossa Travessa! A rua que vai dar à entrada de trás de nossa casa! Lamento não ter comigo a máquina fotográfica! Vou piscando os olhos como se estes fotografassem as imagens que via!
Deixo-me maravilhar pelas laranjeiras no passeio que acompanham as paredes da Sé!
O céu meio cinzento e enevoado não é o melhor mas mesmo assim adoro a vista, o ambiente! 
Continuo a descer e volto a ver a Pizzaria Esperança já cheia de velas acesas nas mesas, passo pelo café Pois É, cheio de pessoas e ouço risos, gargalhadas, histórias a serem contadas! Sinto Vida!
As casas de fado já de portas abertas e a mercearia antiga prestes a fechar as portas!
 As ruas tanto cheiram a Lisboa como me fazem sentir que não estou em Portugal, que estou num cantinho amoroso, bonito e puro noutra parte do mundo! Mas é Lisboa e o que de mais bonito  Lisboa tem!



Gostei de sentir que não vivo no meio dos que na rua dos Reis procuram a Liberdade e no Largo onde tudo passa e nada fica! Gostei de simplesmente passar por eles! Gostei de ver que a minha rua é cuidada, que nela posso respirar paz e tranquilidade, história ainda cuidada e respeitada! :)

Gostei de neste caminho ter ido na companhia Dela e termos conversado tanto!

Cheguei Feliz por termos o nosso cantinho em cima do rio, tão perto de tudo e tão longe do que queremos que seja longe!