quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Até lá, adoro-te!

Oficinas de Escrita de Manuela Gonzaga: “Se tivessem um correio para o passado, uma espécie de DHL de custo zero, a quem enviariam a vossa carta? A quem escreveriam as palavras 'que sempre te quis dizer'? Pensem nisso. É por ai que caminham agora, as e os nossos oficiantes.


Segui a dica e escolhi escrever-te a ti! 

A ti que me adoras desde pequena e que entre olhares franzidos e duros lanças sorrisos matreiros e ternurentos.
Sei que me adoras e amares-me seria complicado.
Amar não é simples, não se impõe ou se sente porque sim. Amar é tão complexo que temos que nos desprender de uma imensidão de coisas, e tu ainda não o fizeste.
Adoras-me por tantas razões mas nunca me chegaste a amar.
Quem ama preocupa-se, cuida, protege e isso tu tens feito! 
Quem ama pergunta, interessa-se, deixa cair feitios para chegar perto e estar presente, e isso é complicado para ti.
Talvez me tenhas amado à distância entre silêncios e pensamentos. O nunca saber o que esperar, se um sorriso ou cara feia, desviaram os nossos caminhos.
Quando estás disposto a dar mais de ti damo-nos lindamente e somos Sol e Girassol! As vezes em que desde miúda quebrava o gelo do teu feitio davam-me gozo e o meu coração sorria e rejubilava por achar que tinha tocado no teu. Por instantes o escudo de ferro derretia-se e sentia o melhor de ti a chegar a mim!
Hoje não sinto esse gozo porque cresci e mesmo que não o queiras ver, já não sou “a miúda” que de tudo fazia para te retirar a máscara. A alegria quando por acaso estamos juntos tem de ser espontânea e não sugada.
Tenho receio que mergulhes no teu silêncio doloroso e talvez por isso não partilhe contigo tudo o que gostaria de te dar a conhecer! 
Somos muitíssimo amigos e mesmo há distância e de tempos em tempos, contamos segredos, trocamos lágrimas nas alturas mais difíceis e procuramos conforto em palavras escritas. O que temos que dizer, dizemos! As mágoas que temos pelo passado ainda estão por ser lidas.
Acho que me adoras! Percebo que o faças de uma maneira muito própria e distante mas não peças que o meu coração compreenda algumas falhas que o teu também grava.
Estás em mim, fazes parte da minha vida e cada vez que os que te são próximos te atraiçoam entre jantares e almoçaradas que ofereces, não leves a mal mas viro leoa porque ao contrário deles, de ti nunca esperei um Judas, apenas um coração envergonhado com amor suficiente para abraçar o mundo!

Não te amo, adoro-te! Adoro-te por tudo!

E se um dia criarem um livro de instruções para cada um de nós, sou a primeira na fila para comprar o teu, e aí, talvez a nossa adoração flua facilmente! 
Aí, talvez troquemos as mensagens escritas por abraços e mimos.

Até lá,

ADORO-TE!

Ps: este texto não é para o meu Manuel, a ele não me fico pelo Adorar ;)


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Memórias de Infância!







Nas oficinas de Escrita tive de escrever sobre as minhas memórias de infância! Entre, escrevo ou não escrevo? Aconteceu mesmo ou serão partidas da minha memória? Apetece-me fazer essa viagem tão profunda ao meu eu? Serei suficientemente "crescida" para escrever sobre partes da minha criancice? 


Nunca pensei que fosse tão difícil escrever sobre mim. Deixar preto no branco, sem floreados e personagens, a minha origem, a complexidade das minhas memórias de infância, a base do que sou hoje. Não me darei a conhecer na totalidade e nem mesmo todas as minhas memórias de infância porque nem todas estão devidamente relembradas e trabalhadas no meu íntimo ao ponto de as transpor e escrever. Nem darei a conhecer todas, não por vergonha, mas pelo medo de não as conseguir dignificar e homenagear como pretendo. Como recordo. 


Irei sim, dar a conhecer uma pequena parte do que tanto procuro amarrar e colar no coração todos os dias, com medo que se perca. As memórias da minha infância até aos cinco anos. A recordação dos que me trouxeram a este mundo até ao dia que fiquei sem eles! 




Ticas Graciosa! Alcunha adoptada pela minha irmã mais velha em troca do meu nome de batismo, Maria Teresa. Depois, fui-me apercebendo da existência do nome de família “Graciosa”, pelas vezes em que tias me agarravam as bochechas sardentas e me diziam que só podia ser Graciosa! E assim fiquei até hoje, a Ticas Graciosa para os amigos. 
Os meus pais morreram quando eu tinha apenas cinco anos. Nessa altura, vi-me obrigada a trocar o ar seco e a paisagem vasta e agreste da Beira Baixa em tons amarelados, recheada de magníficos penedos e imponentes sobreiros, pelo clima ameno e menos campestre da Beira Litoral, onde fui viver para um palácio cujos muros nem sempre conseguiam esconder outras casas mais pequenas mas dentro da sua beleza ainda me permitia sonhar. Aí, vivíamos num casarão onde podia correr para ir à casa de banho e esconder da minha avó todos os pães que não queira lanchar, até ao dia em que era apanhada e tinha de os comer a todos em sopas de leite, como castigo. Tive a graça de nascer e crescer no seio de uma família enorme que, entre quintas e cavalos, cães e touros, bicicletas e cavalgadas, nos fomos conhecendo, entendendo e entrelaçando! 

Perdi os meus pais mas ganhei uma ligação especial com os avós, tios e primos. Cada um acabou por ter no meu coração um lugar especial. Ainda relembro com prazer quando nos chamavam a mim e à minha irmã, por nesse tempo sermos unha com carne, as “Ticas” ou “As manas catatuas, quem leva uma leva as duas”.  

Os cães eram amigos, sempre tão pacientes, e com eles partilhava em brincadeiras tanto do meu tempo. Agarrava-os, trocava os chupa-chupas, punha-lhes óculos de sol, tirava-lhes os óculos de sol. 
Não tinha problemas com a roupa, se sujava ou não sujava. Lembro-me apenas que brincava despreocupada. 
Rio-me e volto a ter a mesma sensação de medo e borboletas na barriga quando recordo a brincadeira que fazíamos com os primos mais velhos. Corríamos atrás de um pónei no meio da pastagem, até este pelo seu feitio especial se zangar e cavalgar atrás de nós para nos morder. A sensação de ser puxada pela minha prima Maria – mais velha que eu, com a peculiaridade de ter um olho azul e outro verde que me fascinava – ainda hoje se faz sentir.  


Os piqueniques nas pastagens entre os sobreiros com os meus pais e amigos. As correrias e brincadeiras e mais uma vez a sensação de liberdade! 
Os jantares inesperados e preparados em instantes para muitos que, nas noites de verão, se faziam na mesa de pedra comprida em frente à casa grande. Num desses jantares e já depois de escurecer, ao tentar ir buscar fio dental para limpar os dentes, inclinei o armário fino e alto da casa de banho. Sem me aperceber que no topo deste estava um autoclismo de loiça continuei a puxar a gaveta do armário e a peça de loiça foi direta à minha cabeça. Chorei e chorei e, nessa altura, o pátio ainda me pareceu maior! Até conseguir reencontrar, entre a pouca luz e os muitos convidados, o colo, o conforto, os braços da minha mãe estive em pânico! Evidentemente, fui para o hospital, levei dois pontos e chorei imenso. Ao meu lado, estava um rapaz também com os seus cinco anos que enfiara um amendoim numa das narinas e não conseguia retirá-lo! Aquela visão ainda me fez chorar mais e, de barriga para baixo com uma mão dada ao meu pai e a outra à minha mãe, chorei e chorei. A cicatriz mantem-se e quando a sinto é bom relembrar aquelas mãos comigo.

O prazer que me dá relembrar a noite em que, suponho devido ao calor que se faz sentir naquela zona da Beira Baixa no verão, 40ºC, secos e sem qualquer aragem de ar fresco, fui com os meus pais, irmã e mais alguém que não me recordo, colar placards de uma tourada pelas paredes da vila. O cheiro da tinta, a adrenalina de estarmos ali de noite, o vento que apanhávamos na carrinha de caixa aberta, o delírio de estar acordada àquela hora e com os crescidos fora tão intenso que facilmente viajo para essa noite.
E outras, como as noites em que o meu primo José Maria, depois de caçar aparecia em nossa casa. E eu, que já estava na cama, levantava-me para ir espreitar aquele “homem” sentado no nosso sofá com uma faca à cintura. Na altura tinha medo daquela figura e o medo criava-me a curiosidade suficiente para arriscar sair da cama e levar um castigo. 

Da minha mãe, guardo a paciência com que nos vestia de manhã para a escola, as vezes que se agarrou a nós como escudo para nos proteger, as suas gargalhadas e boa disposição. O vestido de fada azul que usei no carnaval e creio que foi cozido por ela. O entusiamo com que assistiu à peça de teatro em que vestida de amarelo fiz de pitinho e ao som da canção:

 “Pintinho pintinho pintinho Piu, 
Subiu numa pedra depois caiu! 
A dona Galinha ficou zangada, 
Pegou no pintinho e deu-lhe uma palmada!”

,apenas tinha de subir uma pedra da calçada colocada no palco e no momento certo cair e levar a palmada da mãe galinha. Mal sabia a galinha que eu, pintinho sardento em palco, não ia gostar de levar uma palmada e em frente à plateia dei uma palmada na mãe galinha. Sei que estava na plateia, não tenho presente a reação mas ainda hoje canto esta música aos mais pequenos, ainda hoje imagino, se como divertida que era sorriu ou se como mãe me ralhou…Guardo um grande amor e principalmente no pouco tempo que teve comigo o quanto me mimou! Não era perfeita e no meio de um rebuliço tão intenso quem se vai aguentando corre o risco de atingir a perfeição ou ser cruxificada pela culpa do vendaval. No meu coração para além das imensas saudades deixou a curiosidade das causas, do que a manteve ali, o espanto do que o amor e medo podem causar. Guardo o seu sorriso e choro disfarçado, as vezes que me deu colo e embalou para que as minhas lágrimas parassem como caem hoje simplesmente por ter saudades de dizer “mãe”! É difícil manter as lembranças, descolar da palavra mãe a figura que tive e relembra-la é tarefa que faço de quando a quando para que nunca seja só e apenas uma figura em fotografias mas permaneça viva pelo que realmente foi e deixou em mim!

O meu pai… Talvez pelo seu temperamento menos constante deixa bastantes silêncios nos meus pensamentos e algumas memórias que preferia que fossem falsas e imaginárias, mas não o são. Aprendi a lidar com elas, percebi que quando se ama não se esquece mas perdoa-se!
Recordo o Natal em que recebi a minha bicicleta azul e branca com rodinhas atrás. Lembro-me de estar no Páteo grande da quinta envolvido pelas casas, picadeiro, boxes para os cavalos e com larga vista para as pastagens repletas de sobreiros com o cabeço em segundo plano recheado de penedos. Foi neste Páteo, onde ainda se conseguia avistar uma das barragens, a mais pequena, que, empurrada e ajudada pelo meu pai dei as primeiras pedaladas na bicicleta que tanto me acompanhou nos anos seguintes onde sem travões desbravava caminhos e acelerava nas corridas entre primos.  

Sentia-me livre naquele ambiente. Os dias passavam-se entre bezerros, passeios a cavalo na Toma, égua do meu pai, tão mansa que nos deixava montar para sermos passeadas sem guia, apenas seguindo a figura dele que caminhava devagar ao lado da sua cabeça. Recordo com carinho e saudade o aconchego de me enroscar à noite no sofá entre os meus pais. A vontade que ainda hoje sinto de voltar atrás para voltar a ser a intrusa entre os dois, naqueles momentos mágicos. Recordo ainda as viagens no Citroen encarnado em que adormecia a ouvir as músicas dos Gipsy Kings. Ao ouvi-las ainda me emociono, talvez porque me trazem um bocadinho deles, talvez porque sei que em tempos as ouvimos todos juntos! 

Uma recordação mais carinhosa traz-me de volta as vezes em que os meus avós iam passar uns dias à Beira Baixa. Nessas alturas, a avó, sempre prática e despachada, contornava-nos os pés numa folha branca com uma caneta, para, da próxima vez que voltasse, nos trazer sapatos. Mal sabíamos então, que poucos anos depois, o destino aproximaria mais ainda os nossos corações e faria com que nos amássemos como mãe e filha.  





Estas e outras lembranças ainda por aprimorar até poderem ser registadas com a dignidade que merecem, são algumas das muitas que a criança que eu fui guarda a sete chaves no segredo do coração. Por agora, deixo aqui algumas. 
Haverá outras, tantas e tantas, das várias fases da minha vida, que serão registadas, talvez em forma de romance, talvez fantasiadas. Para poder introduzir-lhes as presenças maravilhosas das fadas e dos duendes do mundo mágico a que todas, ou pelo menos quase todas, as crianças e adultos têm acesso. 

Caso os duendes não se enquadrem no meu mundo e as fadas percam a varinha mágica, sairá em forma de biografia para dignificar quem amo e, quem sabe, ajudar a que outras crianças possam recordar as suas memórias de infância com os que amam perto!