segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

É impossivel ser sempre forte!

Há dez anos, antes de ser operada nos Estado Unidos tive durante um ano de médico em médico. Inicialmente para descobrir o que tinha, depois para saber o que se poderia fazer ? Onde? Quando? Quem? Como? Quais as consequências?
Foi um ano tramado mas que Graças a Deus com contactos, muito amor e paciência conseguimos a melhor solução com um dos melhores médicos e felizmente tudo se resolveu da maneira mais prática e simples.

Desse ano gravo muitas memórias. Nunca me hei-de esquecer dos imensos exames que fiz e do desconfortável que eram. Tive a sorte de apanhar enfermeiros e médicos competentes mas não me livrei das exceções.
Uma das exceções marcou-me! Ainda hoje me agonia e me recordo como se fosse hoje! A falta de cuidados que tiveram, o despreendimento com que fui tratada e a sensação de me sentir mais um bocado de carne com olhos no meio de tantos foi surreal!
Nesse dia escrevi no livro de reclamações! Reclamei o meu direito de enquanto doente ser pessoa e merecer ser tratada com todo o respeito e dignidade. Acredito que seja complicado para estes profissionais não tratarem o sofrimento por tu e facilmente caírem no desleixo de o desprazerem e esquecerem que cada doente é um doente!
Cada doença é uma doença e acima de tudo somos todos pessoas com sentimentos que merecem ser bem tratadas e honradas!
(Uma pessoa que tenha elegido como profissão ajudar e tratar o outro não terá que pôr paixão, empenho e coração nas suas ações? 
-"A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração." Madre Teresa de Calcutá)

Feita a reclamação, mal saí do hospital recebo um telefonema da minha avó! Ainda ressentida do exame a minha voz deve ter soado baixinho e do outro lado começou um raspanete para acordar e ir para as aulas! Imediatamente soltou-se em mim um choro enorme sem fim!
Entre soluços e nervos tentei explicar que não estava a dormir, que não estava nas aulas! Que tinha acabado de fazer um exame muito desconfortável e não sendo suficiente ainda piorou quando abriram a porta que dava para a sala de espera dos exames!
Chorava ali agarrada ao telemóvel! De cansaço de tantos exames, de saturação de tanta procura! De querer respeito e alguém ali comigo que me desse a mão e me limpasse as lágrimas! Alguém que sem culpa do que tinha me consolasse!
Do outro lado, ficou um silêncio tremido e arrependido. Aceitou a minha revolta sem me exigir menos indignação e mais respeito porque apesar de ser exigente e severa percebeu que a minha brutidão e revolta não eram com ela, a minha desilusão e raiva não eram para Ela. Sentiu-se impotente no meu sofrimento e permitiu-me libertar todas as minhas angústias e medos. Deixou-me tirar a capa de fortaleza e ser fraca por instantes!
Nela queria apenas o conforto e aceitação de que eu não sou nem serei tão forte como Ela. De que estar doente nem sempre é fácil. Doar o nosso sofrimento a causas maiores e aprender com a dor é complexo e tramado. Suga-nos lentamente todas as reservas de energia, confiança e sem darmos conta rebentamos!
Vamos ficando menos piegas, mais frios e distantes. Evitamos os remédios e mais remédios e começamos a adiar e odiar as idas aos médicos. Entra-se no mundo da saturação!

Não acho que seja piegas, não acho que me queixe por tudo e por nada até porque nunca me permitiram fazê-lo! Aprendi a engolir a dor e não chatear os outros mas nem sempre é fácil!
Nem sempre é fácil entrar em hospitais e estar sozinha. Nem sempre é fácil olhar para o lado quando nos põem o soro, fazermos exames sem saber o resultado, vermos pessoas piores que nós a não terem uma mão ao lado e ali meio perdidas...
Não foi fácil na sexta-feira fazer um exame tramado que por ter sido mal feito me fez ficar rodeada por um mar vermelho. Não é fácil esquecer. É complicado gerir e acreditem que o estar calejada em maleitas e ter um "hotel" como segunda casa não diminui o sofrimento, não apaga o que o corpo sente e o espirito não perdoa!
Desta vez fui mesmo mariquinhas! Agarrei com toda a força a mão de uma auxiliar que ainda hoje deve ter tatuada as minhas unhas e estiquei todos os dedos dos pés o mais que consegui! Entre médico e enfermeiras não fui bebé e aguentei-me a todo o esforço mas mal o Manuel chegou foi impossível não deixar escorrer as lágrimas que por obrigação e orgulho não permiti que saíssem! Escorriam descontroladamente enquanto ele querido e paciente as limpava e com o olhar me dava conforto e segurança. Foram o suficiente para que me sentisse protegida e deixasse que a calma lentamente se apoderasse de mim! Passado horas e melhor já estavamos em casa a recuperar.

Graças a Deus e a muitos bons corações tenho tido várias mãos perto de mim! Vários olhares ternos e dedos suaves a limparem-me as lágrimas quando estas caem de desespero, cansaço ou medo.
Muito obrigado a todas estas mãos que me vão tornando estas passagens pela minha "segunda casa" mais suaves! Muito obrigado por me confortarem o coração e aliviarem a alma!
Gostava que cada doente tivesse uma mão para apertar quando vai fazer um exame, quando espera e desespera por um resultado, quando chora pela falta de alguém ali.
Entre pensamentos e medos que nos invadem nestes processos de entradas e saídas, olharmos para o lado e termos alguém que amamos e nos ama é bom, é bonito, é confortante!
São estas pessoas que nos chamam à realidade e nos lembram que tudo vai passar e vale a pena estarmos cá! São estas pessoas que nos tornam especiais e não nos deixam desanimar e desistir!
São vocês que com os vossos gestos e palavras nos fazem ser mais fortes! Que nos amam e acreditam que no final de tudo o nosso amor consegue ser superior a todas as dores, a todos os exames mal feitos, a todas as incertezas e dúvidas! São vocês meus queridos que me fazem sorrir!

Adorava não saber sequer o que é ter saúde porque a verdade é que só lhe damos valor e nos apercebemos do que realmente significa quando esta fica escassa...
Ao pé de muitos as minhas maleitas ainda são saúde e sinto-me ingrata quando estes acessos de raiva e revolta chegam e os deixo entrar!
Sei e agradeço muito a minha vida mas como pessoa não sou perfeita! Não consigo engolir sempre a dor e ser forte! Não sou aquela fortaleza que tão queridos me dizem ser. Sou fraca e egoísta ao ponto de ter e querer ter sempre ali uma mão e mesmo assim chorar!
A vocês tudo agradeço porque nem sabem a importância que as vossas mãos e palavras têm na minha vida!

Rezo por todos os doentes que ao contrário de mim realmente têm doenças graves e desesperantes! Eles sim poderão explodir, eles sim poderão desanimar e nem por isso se calhar o fazem! Alguns deles sem nenhuma mão amiga...
Neste meu caminho tão mas tão mais fácil que muitos outros tenho vezes como esta em que não consigo ter a humildade e paciencia necessária para aceitar e lidar com a incerteza do sofrimento!
Quando isto acontece lembro-me da oração que um amigo me ofereceu e que durante muito tempo me adormeceu e acordou e tento lá chegar:
"Nada te perturbe, Nada te espante,
Tudo passa, Deus não muda,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem, Nada lhe falta:
Só Deus basta."

Santa Teresa D'Avilla